quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O arco-íris...

Dudinha estava na rede à sombra do jacarandá e olhava o céu azul, azulão, bonito, quando viu uma nuvenzinha, nuvem-criança como ela, escondida lá num cantinho. E resolveu assoprá-la para o meio daquele céu tão bonito, onde todos pudessem vê-la.
Nesse mesmo instante, Deus resolvera dar um retoque nas cores do mundo, pois chegava o Natal. Chamou um anjinho -que vivia com a auréola em Saturno- e entregou-lhe as tintas.
Mas o anjinho, sonhador e distraído, tropeçou na nuvenzinha, sobre ela derramando todas as tintas que trazia. E a nuvenzinha chorou. E suas lágrimas, misturadas às cores que o anjinho derrubara, formou o mais lindo arco-íris que um dia tenha enfeitado o céu.
Dudinha, lá na rede, à sombra de um jacarandá, batia palmas, dava gritinhos de alegria, e chamava:
-Vovó! Vovó! Vem ver a mágica que eu fiz!

Renato Oliveira.

Teu corpo...

Teu corpo...
Se não o tivesse colhido
Agora, quando jovem ainda
É o meu desejo, sol-posto
Se faria no ocaso dos sentidos.
E a vida se faria adormecida...

Teu corpo...
Templo sacro do meu gozo
Em tua rosa perfumada e úmida,
Chama que aguardo, ansioso,
Numa espera sempre repetida.
E a vida se faz adormecida...

Renato Oliveira

A alma que ama...

A alma que ama e sente
Conhece da dor, o que sofreu.
Mas ama e, docemente,
Guarda em si, tudo que é teu:
Olhares e palavras e gestos.

Silenciosamente,
Ao sonho dá um outro destino.
E na pálida luz da madrugada
Revive memórias, não existindo;
No tudo que relembra, está o seu nada.
E envelheceu o homem-menino.

Veio o sol e já não mais estavas.
Um cheiro de vento molhado, distraido,
Presente na tua ausência, era o que restava,
Tremulando, ante o olhar, o teu sorriso.
E nesse vento, vazia e só, minha alma passa...

Renato Oliveira

domingo, 6 de novembro de 2011

Miragem...

Moldo no pensamento o vulto
Encoberto por não ser, a vida,
Os sonhos inquietos e mudos
De todas as idades. E contidas
Inquietações e silêncios explodem
No vazio de todos os segundos.

Lentamente, abre-se a alma e me vem
Todos os aromas e cores de antigas
Visões. E as sombras, lúgubres, tecem
Os seus acordes em triste monotonia,
Nas fibras do corpo que, um dia,
Por gozos de amor, estremecia...

Te vais de mim... Pouco a pouco,
Brumas o olhar envolvem...
E o frio e o silêncio tomam do corpo
Todo calor que ainda persistia,
E cala-se de vez a minha voz.
Fostes uma miragem, que se desfez...

Renato Oliveira

Por fim chegastes...

Por fim, chegastes...
E por que não viestes antes,
Amada? Por que me deixastes só,
Acariciando minha solidão,
Aprendendo a parir um amor,
Sozinho, cheio de medos e saudades?
E, se não pudestes vir antes,
Por que viestes agora, quando é tarde
Demais, quando declina meu sol
E me vejo condenado a essa sujeição?

Renato Oliveira

sábado, 15 de outubro de 2011

Era uma vez...

Era uma vez... Assim tantas coisas começam -começaram- e terminam -terminaram, sem nunca terem existido de fato.
Era uma vez... Um sonho, um desenho de vida, uma aquarela que se pintava com todas as cores, as mais vivas e alegres, que tínhamos à nossa disposição.
Era uma vez... Aspirações, desejos, ideais, que se dispersaram na necessidade de viver a vida que a sociedade, a sábia sociedade, nos impunha como sendo o mais correto, diante de suas normas éticas e morais - isso, sim, pura hipocrisia.
E assim foram nos despindo de nossas fantasias, da magia dos sonhos, do encanto com que se buscava a vida que era nossa.
Mas para os renitentes, para os "rebeldes", restaram as palavras. Aquelas jamais escritas, aquelas que foram escritas em segredo, e que se mantiveram em segredo, longe dos olhos que as poderiam condenar.
E assim passamos a existir. Uma dualidade que jamais conseguem vislumbrar.
Aquela existência real, só nossa, quando mergulhamos em nosso mundo, onde poucos, raros, têm oportunidade de fazer parte.
Aquela do dia a dia, que se apresenta do jeito, da maneira, que todos esperam. Tendo as reações que todos esperam. Tendo as respostas que todos esperam.
E assim passamos a nos vestir e despir de vida, conforme o momento, de acordo com as necessidades de quem nos cerca. Esses, que jamais nos verão e conhecerão em nossa essência mais pura, de alma e coração.

Era uma vez...
Ah! O quanto esta expressão me trás, ou me dá, uma melancolia tão grande...
Eu não queria crescer, eu não queria ser adulto, pois ser adulto dói muito.
Quase que numa visão do que viria, eu pedi à Deus para não crescer. É verdade.
Numa manhã de primavera, sentado às margens do Guaíba, eu fiz este pedido.
Mas parece que não fui ouvido. Cresci, mas confesso que guardo dentro de mim a mesma criança sonhadora, os mesmos sonhos, como se fosse possível, nessa curva descendente, ainda realizá-los.
Mas isto não importa. Importa é que existam e tornem mais suaves cada instante em que ainda estarei por aqui. E não me preocupo com a distância ainda a percorrer.
Ainda posso abrir a janela ao amanhecer, sorrir para a vida, e sentir a vida me sorrindo.

Renato Oliveira



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Para Daphini...

Desperta, Daphini, para os teus sonhos, risonhos e coloridos, adormecidos no teu peito de criança, esperanças dispersas pelo infinito do teu ser.
Deixa verter o mundo profundo das emoções, das ilusões que povoam teus sonhos e ria, sorria, seja a poesia que passeia pela vida e é vida nos teus sentimentos, alento ao coração de quem te veja.
Cresça, mas não esqueça da menina doce e meiga que ainda és e que deves guardar para suavizar os teus passos nos caminhos para além do ser, do viver, muito além.

Renato Oliveira

Quando velho e sonolento...


Quando velho e sonolento me deixar ficar
Diante das últimas chamas, tomarei da memória
E a reverei docemente, com a suavidade do olhar
Que se tem sobre a própria história.

E quantas me amaram em suave graça
E verdadeiramente foi amor o que me ofertaram?
Repousa sereno, tranqüilo, no fundo da taça,
O mosto do vinho com que se saciaram.

Encurvado sobre estes restos de chamas
Tristemente lamento o amor que me tomou
No ocaso da vida. Amor de quem ama
O real, e único, e último amor que lhe escapou.

Apaga-se o lume, e a vida cessa.
E cesso, no coração inquieto,
Todas as ânsias e esperas...

Renato Oliveira