sábado, 20 de novembro de 2010

As mulheres que marcaram minha vida

III- O ENCONTRO

Eu a conheci, primeiro, pelas palavras que a descreviam. Todos seus dons, todo o seu jeito de ser, todo o seu jeito de gostar. Não foi o descrever de toda uma vida, mas palavras suficientes para, de imediato, despertar em mim o carinho e o bem querer por alguém que dedicara sua vida a cuidar bem de sua gente, seus filhos, os naturais e os acolhidos pelo coração.

Depois, eu a conheci pessoalmente. Abrigada, por necessidade de cuidados constantes com sua saúde, em um lar evangélico. Desde o primeiro momento, despertou em mim enorme sentimento de carinho, de afeto, de ternura. Mesmo jamais tendo me conhecido, mesmo jamais fazendo idéia de quem eu fosse, me recebeu com um sorriso alegre - pois que existem sorrisos tristes-, um sorriso que era o mesmo que abrir seus braços e seu coração para me receber. Assim eu senti, assim foi.

Passei a visitá-la duas ou três vezes por semana. Sempre procurava levar um vasinho com violetas, para enfeitar o seu quarto. E sempre me recebia com aquele sorriso lindo. Eu beijava sua testa, respeitosamente, e ela tomava de minha mão e a beijava. Justamente o inverso do que deveria ser. Eu é que deveria tomar-lhe as mãos e beijá-las, por muitas razões. Entre elas, a de permitir que, ao visitá-la, tivesse oportunidade de resgatar velhas e sofridas dívidas, que ninguém me cobra, mas sei que existem.

Eu me sentia feliz ao lado dela. Contava-lhe histórias que conhecia, inventava outras, engraçadas, que a faziam rir. Dizia-lhe do que fizera e do que iria fazer. E ela buscava, na memória já gasta, lembranças dos seus tempos de menina, de moça e de mãe. Contava-me passagens da vida, como se as estivesse vendo naquele momento. Como os bailes de carnaval na Rua Larga, onde só podia ir acompanhada dos irmãos, ou a casa onde nascera, a qual não mais existia, ela afirmava. Sempre que perguntava pelas visitas que recebera, sabia ela que a filha estivera lá, também seus netos. Mas muitas vezes confundia os nomes, e eu a ajudava a lembrá-los. E era gostoso ver, mais uma vez, o sorriso de satisfação que ela mostrava ao lembrar-se de todos. Uma coisa me espantava, lembrava direitinho o nome de sua mãe.

Pensava muito em sua casa, preocupava-se com ela, se estava sendo cuidada. Queria voltar, me dizia, pois precisava cuidar de muitas coisas. Fazer a janta, lavar a louça, tirar o pó. Eu dizia-lhe que ainda não era hora, que devia esperar um pouco mais, e que eu cuidaria da casa para ela. Então, pedia que eu lhe prometesse isso. E eu prometi, sim, o que de fato procuro fazer.

As companheiras que com ela estavam no lar, se alegravam também com minha presença, como se a visita fosse delas, o que não deixava de ser verdade. Pois a cada uma, eu oferecia uma palavra e um gesto de carinho.

Digo que ela marcou minha vida não apenas por sua história de vida, mas porque me fez feliz, demonstrando isso sempre que me via. Fez com que me sentisse útil e importante para alguém, e que posso, ainda, fazer o mesmo por muitas outras pessoas. Não precisam ser velhos, nem conhecidos, não precisam ter consangüinidade. Serão sempre novos amigos, novos elos nessa corrente que chamamos existência, formando uma família que se multiplicará pelo tempo em que puder doar um pouco de mim, até o momento em que eu mesmo necessite desta doação.

E não me esqueço do que ela respondeu, quando lhe perguntei se gostava de mim.

-EU TE AMO! Foi esta a resposta dela.

A mim, só resta agradecer a Deus a benção de te-la conhecido.

Renato Oliveira

As mulheres que marcaram minha vida

II – O RENASCER

Ano de 2007. Fazia, já, 21 anos que trazia a alma em luto. Vivia no silencio da introspecção, na verdade, um apenas existir.

Morava, então, em uma cidade tropical, banhada pelo mar, com lindas e extensas praias, emoldurada por montanhas de muito verde.

Era um sonhador... Vivia a filosofar, mesmo que disso não soubesse. Perdia horas buscando entender o enredo da vida, todos os seus liames e emaranhados que levam, quase sempre, ao sofrimento e à solidão.

O que a vida havia feito comigo? Por que fora tão cruel? Deu-me um presente maravilhoso, colocou-me nos braços um pouco de mim mesmo, naquela criança tão frágil, que me chegava como fonte de luz e me fez olhar o futuro com menos ceticismo. Essa luz, no entanto, foi um único brilho, feito um relâmpago, clarão que se fez tão rápido como se fosse estrela cadente riscando o céu da minha esperança. Ele se foi, mas a dor ficou. Forte, doída, machucando, doendo no corpo, na alma, no coração.

E deixei-me ficar esquecido de mim mesmo. Mergulhei no meu mundo opaco e descolorido e ali fiquei, isolado de tudo e de todos.

Mas encontrei algo para afastar um pouco essa solidão, na modernidade do tempo atual. Passei a navegar na tecnologia da internet. Encontrava temas que me encantavam, notícias que me aterravam, manchetes que me espantavam.

Mas, um dia, encontrei algo mais. Um nome. Sim, apenas um nome. Mas continha esse nome tal força, tal energia, e em mim se impregnou de tal forma, que, a partir de então, tudo na minha vida mudou.

Dela, da dona daquele nome, nada sabia. Estávamos longe um do outro, separados pela distância. Mas isso não importava, não impedia de me sentir envolvido naquele mundo novo, feito de magia e encantamento.

Abriram-se as janelas da minha alma, ao descobrí-la. O coração despiu-se do negro luto em que se envolvera, e deixou-se banhar pelo brilho da luz que ela lhe trazia. E me permiti sonhar outra vez. Encontrei um lindo anjo que me deu asas e me ensinou a voar. E voamos juntos pelo mundo do amor. Lá, namorei a felicidade, fiz carícias na ternura e amizade com a esperança. E nunca mais voei sozinho. Sempre ao meu lado, estava o meu anjo.

-O nome desse anjo? AMOR!!!

Renato Oliveira

As mulheres que marcaram minha vida

I - A origem

Eu a conheci quando contava oito anos. Até então, me sentia ligado a ela apenas pelo instinto natural, que me guiava a isto.

E a descoberta desta mulher deu-se numa noite não muito fria, quando o outono ameaçava chegar. Em torno de uma mesa de madeira, sentados em bancos também de madeira, sete crianças e três adolescentes a espera do jantar.

Ela, de costas para todos, apanhou em cima de um armário, uma lata de mantimentos. Abriu-a, olhou, fechou-a e devolveu ao seu lugar. Pegou uma segunda e uma terceira e repetiu o gesto de olhar e devolvê-las aos seus lugares. Nesse momento, eu, que já era bisbilhoteiro desde então, estava observando e vi quando lágrimas desceram dos seus olhos. Lágrimas que ela procurou disfarçar para que ninguém percebesse. Da sua boca não ouvi sair nenhuma palavra, seja de lamento, ou de desânimo. Demorou-se um pouco, ainda, catou umas moedas e pediu ao mais velho dos que estavam na mesa que fosse comprar pão no armazém do seu Zé. E anunciou para todos que aquela noite faria algo diferente. Todos comeriam ovos fritos, com a gema mole, com pão e café preto. Claro, todos gostaram da novidade. Eu também gostei, não vou negar. Não era sempre que se podia comer ovo frito.

Mesmo satisfeito com algo que me deixava o estômago feliz, não me saía do pensamento a imagem das lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto.

A partir de então, ensinou às filhas como cuidar da casa, supervisionava o preparo das refeições e entregou-se ao trabalho, lavando e passando roupas para fora. Eram trouxas e trouxas que eu ajudava a levar até o educandário, onde havia água limpa e pedras enormes onde ela quarava as roupas. Depois, passava cada peça com todo esmero, usando aqueles ferros aquecidos com carvão em brasa. E, além disso, empregou-se como doméstica na escola onde eu estudava. Na época, Grupo Escolar José de Anchieta. Mesmo com todas estas ocupações, jamais se descuidou de suas crias, que soube encaminhar pela vida.

No seu rosto, ao longo da vida, muitas outras marcas surgiram e foram disfarçadas em sorrisos e palavras doces. Muitas lágrimas também aconteceram, mas eu acredito que nenhuma tão doída quanto aquelas que vi escorrerem naquela noite.

Ela marcou-me definitivamente. Não pelo choro em si, mas por não demonstrar revolta, nem raiva, nem desespero. E por ensinar, através do silêncio, que sempre poderemos encontrar um caminho, uma solução. Basta ter vontade, força, e, acima de tudo, acreditar.

-Essa era D. Wanda, a minha mãe.


Renato Oliveira

Olho para ti...

Olho para ti e te vejo partindo,
Tua imagem aos poucos desaparecendo,
Envolta pela névoa que me toma
O olhar. Agora és apenas uma sombra
Por entre minhas lembranças
E os sentidos são todos um só gosto
Amargo de saudade. A tua ausência
Se faz, dia a dia, mais intensa
E refaz, em fogo, a marca de antigo
Sofrer. Apaga-se do rosto a expressão serena
Do bem querer, à cata do sonho
Que despencou do próprio sonhar,
Utópico desejo do querer, sonhando,
Te amar.

Renato Oliveira


Podem as águas passar...

Podem as águas passar
Assim como passam os homens,
Mas para sempre há de ficar,
Entre inúmeros, o meu nome.

Não trago a nobreza ou o azul
Do sangue da realeza. Sou de estirpe
Outra, incomum no meio mortal,
Mas comum onde a obtive.

Trago, sim, na alma a humildade,
No coração a calma de quem sabe
Que viver não é apenas existir;

Que viver é ser nada de si, além;
E não ter do que possuir
E possuir tudo aquilo que não tem.

Renato Oliveira

Do tempo...

O tempo não tem tempo
De me trazer um passatempo.
Passa o sol, passa a lua,
Passa o sonho que flutua
Na branca nuvem que paira no vento.
E me desfaço me refazendo
No próprio tempo
Que me viu morrendo e renascendo
No infinito de vida, que é o espaço-tempo.

Renato Oliveira

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Prece de amor (Por meu amor)




Senhor,
Eu vos peço,
Em doce e fervorosa prece,
Guardai aquela que amo.
Não permitas, Senhor,
Que sofra o meu amor
A tristeza do desencanto.
Acolhe-a em Teus braços,
Cobre-a com Teu manto.

Senhor,
Fazei de suas manhãs
Um renascer constante.
Afastai as nuvens cinzentas,
Prenúncios de tormentas,
Para além do horizonte.

Senhor,
Que não tenham espinhos
As flores que colher pelo caminho
Para enfeitar os seus cabelos.
Olhai-a, Senhor, com especial enlêvo.

Senhor,
Que a tua Paz
Seja a paz que dela emana,
A paz de quem se ama
Como um doce e terno bem.

Em nome do meu amor,
Amém.

Renato Oliveira

Se um dia...

Se um dia eu me cansar desta vida,
Estenda-me tuas mãos amigas
E ampara a alma caída dos sonhos que tanto sonhou.

Se um dia eu me cansar destes caminhos,
Acolhe-me docemente, aos pouquinhos,
E deixa-me ir, de mansinho, ao encontro do teu amor.

Se um dia eu me cansar de fingir
Que não houve dor a me ferir,
Deixa-me chorar e sorrir; a dor que se foi, o amor que chegou.

Mas se um dia a vida cansar de mim
E apressar o tempo que resta para o fim,
Põe em minhas mãos rosas e jasmins, e me dá teu sorriso mais feliz.

Dá-me teu sorriso mais feliz, e faça-me feliz por onde eu for...

Renato Oliveira