sábado, 20 de novembro de 2010

As mulheres que marcaram minha vida

I - A origem

Eu a conheci quando contava oito anos. Até então, me sentia ligado a ela apenas pelo instinto natural, que me guiava a isto.

E a descoberta desta mulher deu-se numa noite não muito fria, quando o outono ameaçava chegar. Em torno de uma mesa de madeira, sentados em bancos também de madeira, sete crianças e três adolescentes a espera do jantar.

Ela, de costas para todos, apanhou em cima de um armário, uma lata de mantimentos. Abriu-a, olhou, fechou-a e devolveu ao seu lugar. Pegou uma segunda e uma terceira e repetiu o gesto de olhar e devolvê-las aos seus lugares. Nesse momento, eu, que já era bisbilhoteiro desde então, estava observando e vi quando lágrimas desceram dos seus olhos. Lágrimas que ela procurou disfarçar para que ninguém percebesse. Da sua boca não ouvi sair nenhuma palavra, seja de lamento, ou de desânimo. Demorou-se um pouco, ainda, catou umas moedas e pediu ao mais velho dos que estavam na mesa que fosse comprar pão no armazém do seu Zé. E anunciou para todos que aquela noite faria algo diferente. Todos comeriam ovos fritos, com a gema mole, com pão e café preto. Claro, todos gostaram da novidade. Eu também gostei, não vou negar. Não era sempre que se podia comer ovo frito.

Mesmo satisfeito com algo que me deixava o estômago feliz, não me saía do pensamento a imagem das lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto.

A partir de então, ensinou às filhas como cuidar da casa, supervisionava o preparo das refeições e entregou-se ao trabalho, lavando e passando roupas para fora. Eram trouxas e trouxas que eu ajudava a levar até o educandário, onde havia água limpa e pedras enormes onde ela quarava as roupas. Depois, passava cada peça com todo esmero, usando aqueles ferros aquecidos com carvão em brasa. E, além disso, empregou-se como doméstica na escola onde eu estudava. Na época, Grupo Escolar José de Anchieta. Mesmo com todas estas ocupações, jamais se descuidou de suas crias, que soube encaminhar pela vida.

No seu rosto, ao longo da vida, muitas outras marcas surgiram e foram disfarçadas em sorrisos e palavras doces. Muitas lágrimas também aconteceram, mas eu acredito que nenhuma tão doída quanto aquelas que vi escorrerem naquela noite.

Ela marcou-me definitivamente. Não pelo choro em si, mas por não demonstrar revolta, nem raiva, nem desespero. E por ensinar, através do silêncio, que sempre poderemos encontrar um caminho, uma solução. Basta ter vontade, força, e, acima de tudo, acreditar.

-Essa era D. Wanda, a minha mãe.


Renato Oliveira

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