Mas que nada.
Estava ela tão ocupada em resolver questões políticas, que passou por mim sem perceber que a estava esperando.
Passou e se foi. E nunca mais voltou.
Fiquei ali, sentado à beira da existência, espiando tudo que acontecia ao longo do tempo que por mim também passava, mas não me tocava.
E vi surgirem filósofos, doutores da lei, doutores da medicina, doutores da arte, doutores do saber.
E cada um trazia consigo a verdade que parecia ser a derradeira, a definitiva, para explicar a origem do mundo, das gentes, do universo.
Dúvidas? Claro que as havia. Mas eram tão insignificantes que não poderiam nublar pensamentos tão elevados, eivados de tanta sabedoria.
Então, eram deixadas de lado, os intelectuais, apressados em não se mostrarem ignorantes do que não sabiam, as engoliam por medo do ridículo da pergunta que era óbvio perguntar.
E assim, na prospecção de verdades sobre origens e destinos, a cambaleante humanidade se perdeu das palavras que um dia trouxeram essa verdade para todos.
Persigo ideais dispersos
Pelo infinito do universo,
Trazidos ao mundo pelos profetas.
Foram palavras semeadas ao vento
Não tiveram paradeiro certo
E não impediram as chagas abertas
No corpo do Cristo crucificado.
Nem o sangue daquele corpo divino
Abrandou os corações endurecidos
De homens e mulheres dominados
Pelos inimigos do amor fraterno.
Ainda ressoam os ecos do amor
E da caridade nele personificados
Mas o Cristo continua, ainda hoje,
Mais e mais crucificado...
E a humanidade deixou de ter vida. Passou a existir, tão somente.
Por se perder a humanidade, fiquei eu também perdido.
Tento entrar na vida pela porta da frente, mas nunca a encontro aberta.
Procuro por alguma janela, seria também uma forma de estar nela.
Mas não consigo.
Bom, de tudo isso me resta um consôlo.
De saber que em mim pulsa a coerência dos loucos, esses que fogem às regras da civilização mais selvagem que poderia habitar o planeta, coerentes em sua incoerência de viverem a vida real que pulsa no seu íntimo.
De saber que existem os poetas, esses que não explicam porque o céu é azul, mas o fazem mais bonito com suas palavras na emoção dos sentimentos.
De saber que existe o amor, esse que faz tudo valer a pena.
Até viver.
Olho a vida com meus olhos
E não importa com quais sejam
-Se de susto ou de espanto-
Os olhos com que ela me veja.
Só não quero ser visto
Em nenhum jornal estampado
Num daqueles retratos 3x4,
Onde se fica de frente e de lado,
Numerado e datado,
Uma placa no peito pendurada,
Feito mercadoria ofertada.
Renato Oliveira
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