domingo, 19 de julho de 2009

Olhar de quem se vai...

Minha mãe, nos seus últimos anos de vida, foi tomada pelo Alzheimer. Doença triste, doença que adoece a quem está ao lado. Foge a memória, se desfazem os gestos, o olhar murcha, e a vida não dá sinal de vida. Mas no fundo do olhar, há um quê a nos dizer que existe vida por detrás de todo aquele imobilismo. Nota-se um sorriso furtivo a nos provocar, como quem diz:"Viu como dá trabalho cuidar de uma criança que não sabe falar?".

Ela sabe da vida
E de todas as feridas
Que o viver lhe causou.
Não chorou seus lamentos,
Mas sorriu os sentimentos
Maiores que a própria dor.


Ela já não conta histórias,
Perdidas pela memória
Que a idade levou.
Canta, apenas, velha cantiga,
Talvez a única amiga
Que o tempo lhe deixou.

Ela olha o mundo
Com o olhar profundo
De quem se vai.
E nesse viver sangrento,
Espera o tempo
De ficar em paz.


Renato Oliveira

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